A Bíblia é a Palavra de Deus. Por que crer nisto?

A Igreja, "coluna e fundamento da verdade"

Fundamentalistas e evangélicos de todo tipo dizem que a Bíblia é a única regra de fé pela qual deve se guiar o crente. É o único e suficiente manancial - segundo eles - do qual brota toda a verdade infalível e necessária para a nossa salvação. Nada deve ser acrescentado à Bíblia, devendo nossa teologia se nutrir somente dela. Toda a verdade cristã se encontra nas suas páginas. Tudo o que não pertence à Bíblia ou é bem errôneo, ou é bem desnecessário, podendo se tornar obstáculo para o acesso a Deus.
Os católicos, por sua vez, dizem que a Bíblia não é a única e suficiente regra de fé para os crentes e que inexiste texto bíblico que sugira o contrário. E mais: a própria Bíblia indica que ela mesma não deve ser tomada exclusivamente como regra de fé. Segundo a Bíblia, a autêntica regra da nossa fé é a Sagrada Escritura e a Tradição Apostólica, tal como se comunica no Magistério vivo da Igreja Católica, à qual foi confiado o ensinamento oral de Jesus Cristo e dos apóstolos, juntamente com a autoridade para interpretar corretamente as Escrituras.
No documento sobre a revelação divina do Concílio Vaticano II, Dei Verbum (do latim "a Palavra de Deus"), se explica da seguinte maneira a relação entre a Tradição e o Magistério:
"Existe uma conexão e comunicação muito estreitas entre a sagrada Tradição e a sagrada Escritura, pois ambas, brotando da mesma fonte divina, de certo modo convergem numa unidade e tendem para o mesmo fim. Porque a sagrada Escritura é a Palavra de Deus tal como foi consignada por escrito sob a inspiração do Espírito Santo, enquanto que a sagrada Tradição, confiada aos sucessores dos Apóstolos, entrega a todas as gerações, em toda sua pureza, a Palavra de Deus que foi confiada por Cristo e pelo Espírito Santo aos Apóstolos".
"Dessa maneira, guiados pela luz do Espírito da Verdade, estes sucessores em sua pregação podem preservar fielmente as palavras de Deus, explicá-las e difundi-las. Portanto, a Igreja extrai sua certeza sobre as coisas que foram reveladas não apenas da sagrada Escritura. E assim, tanto a sagrada Tradição como a sagrada Escritura devem ser aceitas e veneradas com a mesma devoção e reverência".
Porém, os evangélicos e fundamentalistas protestantes, que põem toda sua confiança na teoria da sola Scriptura (do latim "somente a Bíblia"), de Martinho Lutero, nos citam desfiguradamente alguns versículos para defender sua posição. O primeiro da lista é este: "Estas coisas foram escritas para que creais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu nome" (João 20,31). Outra passagem é: "Toda Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para argumentar, para corrigir e para treinar na justiça, de modo que o homem de Deus possa estar equipado e preparado para toda boa obra" (2Timóteo 3,16-17). Estes versículos demonstram, segundo os protestantes, a verdade da teoria da sola Scriptura.
Porém, a realidade não é tão assim - respondem os católicos. Em primeiro lugar, o versículo citado de São João se refere às coisas contidas nesse livro (leia-se João 20,30, o versículo imediatamente anterior, para se ver o contexto do assunto em pauta). Se realmente provasse algo, não provaria a teoria da sola Scriptura (=apenas a Bíblia), mas, melhor, a teoria do solo Iohannes (=apenas São João)!
Em segundo lugar, o versículo do Evangelho de São João nos diz tão somente que a Bíblia foi composta para nos ajudar a crer que Jesus é o Messias; de modo algum nos diz que a Bíblia é a única coisa que necessitamos para fazer teologia, e nem sequer nos diz que a Bíblia é necessária para fazer crer em Cristo. E que ninguém se escandalize por isto, já que os primeiros cristãos certamente não podiam recorrer ao Novo Testamento para crer em Jesus, já que então - e por vários séculos - não havia ainda sido escrito o Novo Testamento. Os primeiros cristãos aprendiam sua fé pela pregação oral, não pela escrita. Até pouco tempo, a Bíblia era inacessível para a maioria dos fiéis, quer porque nem todos sabiam ler, quer porque a imprensa ainda não havia sido inventada. Todos esses fiéis aprenderam do ensino oral, entregue de geração em geração, pela Igreja.
O mesmo se pode dizer de 2Timóteo 3,16. Uma coisa é dizer que todos os escritos inspirados "são úteis" para determinado fim e outra coisa muito diferente é dizer que somente os escritos inspirados são úteis para esse fim. Ademais, há um ponto de capital importância que testemunha contra o argumento dos protestantes evangélicos e fundamentalistas; trata-se de uma contradição que surge das suas próprias interpretações deste versículo. John Newman a explicou muito bem em 1884, em seu trabalho "A Inspiração em relação à Revelação".
O ARGUMENTO DE NEWMAN
Escrevia então o cardeal Newman:
"É evidente que este texto - 2Tim. 3,16 - não carrega consigo nenhuma prova de que a Sagrada Escritura, sem a Tradição, é a única regra de fé. Porque ainda que a Sagrada Escritura seja útil para os quatro fins enumerados no citado texto, contudo aqui não nos diz que seja ela a única suficiente. O próprio Apóstolo requer o auxílio da Tradição (2Tes. 2,15). E mais: o Apóstolo se refere aqui às Escrituras que Timóteo aprendera em sua infância. Porém, sabemos que grande parte do Novo Testamento ainda não havia sido escrito durante a infância de Timóteo; inclusive, algumas cartas dos apóstolos ainda não tinham sido escritas no dia em que Paulo escrevia este texto a Timóteo; e nenhum dos livros do Novo Testamento havia ainda sido posto na lista dos livros inspirados. Paulo se refere, evidentemente, às Escrituras do Antigo Testamento. Se este texto for tomado da forma como fazem os protestantes, então provaria melhor que os Escritos do Novo Testamento não são necessários como regra para a nossa fé".
Além de tudo isto, a citação que os protestantes fazem de 2Tim. 3,16 está fora do contexto. Quando lemos esta passagem no seu contexto, descobrimos que a referência feita por Paulo às Escrituras não é senão parte da exortação para que Timóteo tome como seu guia a Tradição e a Escritura. Os dois versículos que vêm antes do citado texto dizem: "Porém, continua tu no que aprendeste e tens crido firmemente, sabendo de quem o aprendeste, e como desde a tua infância conheces os escritos sagrados que podem instruir-te para a salvação por meio da fé em Jesus Cristo" (2Tim. 3,14-15).
Paulo diz a Timóteo que permaneça firme no que aprendeu, por estes dois motivos:
1º) Porque sabia de quem havia aprendido, isto é, do próprio Paulo;
2º) Porque havia sido instruído nas Escrituras.
O primeiro destes motivos é obviamente uma referência à Tradição apostólica, o ensinamento oral que Paulo dispensou a Timóteo. Por isto, os protestantes precisam tirar do contexto 2Tim. 3,16 para chegarem à conclusão da [validade da] sola Scriptura. Porém, quando lemos o texto em seu contexto, verifica-se claro que está nos ensinando a importância da Tradição apostólica.
A Bíblia nega que apenas ela seja suficiente regra de fé. Paulo diz que muito do ensino cristão deve ser encontrado na Tradição, que é entregue de forma oral (2Tim. 2,2). Ele nos ensina a "permanecer firmes e conservar as tradições que têm recebido de nós, seja por palavra ou por carta" (2Tessalonicenses 2,15).
Este ensinamento oral foi aceito pelos cristãos da mesma maneira como aceitaram os ensinamentos escritos que receberam posteriormente. Jesus havia dito aos seus discípulos: "Quem vos ouve, a Mim me ouve; quem vos despreza, a Mim me despreza" (Lucas 10,16). A Igreja, na pessoa dos Apóstolos, recebeu de Cristo a autoridade para ensinar, como sua representante. E Jesus enviou os Apóstolos dizendo: "Ide e fazei discípulos em todas as nações" (Mateus 28,29).
E como deveria se cumprir esta ordem de Cristo? Por meio da pregação, da instrução oral. "A fé vem pelo ouvido, e se ouve pela pregação de Cristo" (Romanos 10,17). A Igreja estaria sempre disponível como mestre viva. E um erro grave limitar a "palavra de Cristo" à palavra escrita apenas, ou também sugerir que todos os seus ensinamentos se reduzem ao que foi posteriormente escrito. A Bíblia nunca sugere semelhante coisa.
O ensinamento oral duraria até o fim dos tempos. "A palavra do Senhor dura para sempre, e essa palavra é a boa nova que vos foi pregada" (1Pedro 1,25). Notemos que a expressão usada é "foi pregada", ou seja, transmitida oralmente. Isto deveria continuar para sempre e em nenhum momento se fala em passar as narrações por escrito com a finalidade de suplantar a pregação oral. A Bíblia "complementa" a pregação oral, não a "suplanta".
Isto fica ainda mais evidente quando o Apóstolo Paulo diz a Timóteo: "O que de mim ouviste perante muitas testemunhas, entrega a homens fiéis que, por sua vez, poderão ensinar outros" (2Tim. 2,2). Aqui encontramos os primeiros elos da cadeia da Tradição Apostólica, que chegou intacta até os nossos dias. Paulo instruiu a Timóteo para que entregasse os ensinos orais (Tradições) que dele recebeu. Por sua vez, Timóteo deveria continuar a cadeia entregando a outros para que estes entregassem os ensinamentos a outros mais. Paulo deu estas instruções não muito tempo antes da sua morte (2Tim. 4,6-8), como se fosse um testamento de como deveria Timóteo conduzir seu ministério.
QUE É A TRADIÇÃO?
Neste assunto, é fundamental lembrar o que entende a Igreja por Tradição. A palavra de forma alguma significa lenda ou relato mitológico, nem tampouco práticas e costumes exteriores, que podem ser alterados com o passar do tempo e circunstâncias, como pode ocorrer na maneira dos sacerdotes se vestirem para as celebrações, certas formas de devoção popular e rubricas litúrgicas.  Quando dizemos "Sagrada Tradição", entendemos os ensinamentos e a autoridade docente de Jesus e, depos d'Ele, dos Apóstolos a quem enviou para que ensinassem (Mateus 28,19-20).
Estes ensinamentos foram entregues à Igreja (isto é, aos seus mestre legítimos, os bispos em comunhão com o papa). É necessário para os cristãos crer e seguir firmemente esta Tradição, da mesma forma que a Bíblia (Lucas 10,16). A verdade da fé foi confiada primeiramente aos líderes da Igreja (Efésios 3,15), os quais, com Cristo, são considerados fundamentos da Igreja (Efésios 2,20). A Igreja foi [e é] guiada pelo Espírito Santo, que a preserva de todo erro (João 14,16).
TRANSMITINDO A FÉ
Paulo nos ensina o que vem a ser a Tradição: "Porque eu lhes transmiti, como de capital importância, aquilo mesmo que eu recebi: que Cristo morreu por nossos pecados, segundo as Escrituras (...) Portanto, tendo sido eu ou eles, é isto o que pregamos; é nisto que tens crido" (1Coríntios 15,3.11). O Apóstolo elogia aqueles que conservam a Tradição: "Vos elogio porque vos recordais de mim a todo momento e mantendes as tradições tais como vos entreguei" (1Cor. 11,2).
Os primeiros cristãos "se entregavam ao ensino dos Apóstolos" (Atos 2,42) muito antes da existência de um Novo Testamento. A plenitude do ensino de Cristo encontrava-se, desde o princípio, na Igreja, como na viva encarnação de Cristo, e não em um livro. A Igreja docente, com suas Tradições orais e apostólicas, tinha [e tem] autoridade. O próprio Paulo apresenta uma citação das palavras de Jesus que se conhecia somente pela tradição oral: "É melhor dar do que receber" (Atos 20,35). Este dito de Jesus não se encontra nos Evangelhos, mas de alguma maneira chegou a Paulo. Não há dúvida de que os próprios Evangelhos são tradições orais que foram passadas para a forma escrita (Lucas 1,1-4). E mais: Paulo não cita apenas Jesus, mas também cita antigos hinos litúrgicos, como vemos, por exemplo, em Efésios 5,14. Estes e outros ensinamentos foram entregues aos cristãos "pelo Senhor Jesus" (1Tessalonicenses 4,2).
Os fundamentalistas dizem que Jesus condenava a tradição. Nos advertem que Cristo disse: "Por que revogais os mandamentos de Deus por causa das vossas tradições?" (Mateus 15,3). E São Paulo também teria escrito: "Olhai para que ninguém vos engane pela falácia de uma vã filosofia, baseada em tradições humanas, segundo os elementos do mundo e não segundo Cristo" (Colossenses 2,8). Porém, estes versículos condenam as errôneas tradições humanas, não as verdades que foram entregues oralmente pelos Apóstolos à Igreja. Estas verdades são as que fazem parte da Tradição (com "T" maiúsculo, para diferenciá-la das tradições meramente humanas).
"OS MANDAMENTOS DOS HOMENS"
Consideremos Mateus 15,6-9, citado freqüentemente por fundamentalistas e evangélicos: "Assim, haveis anulado a Palavra de Deus por causa da vossa tradição. Hipócritas! Bem profetizou Isaías a vosso respeito, quando disse: 'Este povo me honra com os lábios, porém, seu coração está longe de Mim; em vão me rende culto, já que ensina doutrinas que são preceitos de homens'".
Vejamos atentamente o que nos diz Jesus: certamente não estava condenando todas as tradições, mas aquelas que anulavam a Palavra de Deus. Neste caso em específico, se tratava de uma artimanha dos fariseus, daquilo que ofertavam ao templo como desculpa para não ter que prestar assistência aos seus pais idosos. Agindo assim, anulavam o mandamento "Honrarás teu pai e tua mãe" (Êxodo 20,12). Em outro lugar, Jesus manda seus Apóstolos guardarem as tradições que não fossem contrárias aos mandamentos de Deus: "Os escribas e os fariseus estão sentados na cátedra de Moisés; fazei tudo o que eles dizem - e que não praticam - porque eles pregam mas não fazem o que pregam" (Mateus 23,2-3).
O que os fundamentalistas e evangélicos, infelizmente, fazem com muita freqüência é ver a palavra "tradição" em Mateus 15,3, em Colossenses 2,8 ou em algum outro lugar, e concluir que essa palavra deve ser tida por desprezível. Agindo assim, esquecem que em outros lugares o mesmo termo é usado com outro sentido, como em 1Coríntios 11,2 e 2Tessalonicenses 2,15, onde "tradição" é algo que deve ser crido. Jesus não condenou toda tradição; condenou as tradições errôneas - sejam doutrinas ou práticas - que minam as verdades cristãs. As demais Tradições, como nos pede o Apóstolo, devem ser conservadas firmemente. São Paulo manda os Tessalonicenses aderirem totalmente às tradições que ele lhes passara por palavra [oral] ou por carta [escrito].
A IGREJA INDEFECTÍVEL
A questão implica em saber no que constitui a autêntica Tradição. Como posso saber quais tradições são apostólicas e quais são meramente humanas? Como saber se o que nos ensina a Igreja Católica possui origem apostólica? Sabemos no que crer porque Cristo prometeu que as portas do inferno não prevaleceriam contra a sua Igreja (Mateus 16,18). A Igreja de Cristo seria indefectível e os seus ensinamentos oficiais seriam infalíveis. Cristo, através de Pedro, entregou-lhe o seu poder de ensinar (Mateus 16,19; 28,28-20). Foi Cristo quem fez da Igreja "a coluna e o fundamento da verdade" (1Timóteo 3,15).
Traduzido pelo Veritatis Splendor por Carlos Martins Nabeto, diretamente do site http://www.apologetica.org

O que é a Teologia do Corpo e por quê ela está mudando tantas vidas?

Por Christopher West

“É ilusão pensar que podemos construir uma verdadeira cultura de vida humana se não… aceitarmos e vivenciarmos a sexualidade, o amor e a vida como um todo de acordo com seus verdadeiros significados e finalidades.”
João Paulo II, O Evangelho da Vida (n. 97).





A dimensão sexual é a rocha de fundamentação da vida humana. A família — e, por isso, a própria sociedade humana — emerge dessa dimensão. Em resumo, como o sexo flui, fluem o casamento e a família. Como o casamento e a família fluem, flui a civilização.
Esta lógica parece soar bem para a nossa cultura. Não é exagero dizer que a meta do século XX foi libertar-se da ética sexual cristã. Se desejamos edificar uma “cultura da vida”, a meta do século XXI deve ser corrigir isto.
Mas a abordagem freqüentemente repressiva dos cristãos das gerações passadas (normalmente o silêncio ou, no máximo, “não faça isso”) é amplamente responsável pela rejeição cultural aos ensinamentos da Igreja sobre a sexualidade. Precisamos de uma “nova linguagem” para romper o silêncio e reverter a negatividade. Precisamos de uma teologia nova que explique como a ética sexual cristã — longe da puritana lista de proibições na qual supostamente se tornou — corresponde perfeitamente aos anseios mais profundos dos nossos corações por amor e união.
Como muitas pessoas somente agora estão descobrindo, o Papa João Paulo II dedicou a primeiro grande projeto de catequese de seu pontificado ao desenvolvimento de tal teologia; ele a chama de “teologia do corpo”. Esta coleção de 129 pequenas audiências já iniciaram uma “contra-revolução sexual” que está mudando vidas ao redor do mundo. O “fogo” está se alastrando e podemos esperar para breve repercussões globais.
George Weigel, um biógrafo do Papa, disse muito bem ao descrever a teologia do corpo como “um tipo de bomba relógio teológica programada pra explodir com conseqüências dramáticas… talvez no século XXI” (Witness to Hope, 343).

Uma Resposta para Nossas Questões Universais

Focando a beleza do plano divino para a união dos sexos, João Paulo levou a discussão do legalismo (”Até onde eu posso ir sem infringir a lei?”) para a liberdade (”Qual é a verdade que me torna livre para amar?”). A verdade que nos torna livres é a salvação em Jesus Cristo. Não importa quais erros ou quais pecados tenhamos cometido. A teologia do corpo do Papa não aponta o dedo pra ninguém. É uma mensagem de salvação sexual para toda e qualquer pessoa.
Resumindo, através de uma detalhada reflexão das Escrituras, João Paulo procura responder duas das mais importantes e universais questões: (1) “O que significa ser um humano?” e (2) “Como viver minha vida de uma forma que traga verdadeira felicidade e plena satisfação?”. O ensinamento do Papa, portanto, não fala apenas sobre sexo e casamento. Uma vez que nossa criação como masculino e feminino é o “fato fundamental da existência humana” (13/02/1980), a teologia do corpo fornece “o redescobrimento do significado da totalidade da existência, o sentido da vida” (29/10/1980).
Para responder à primeira questão — “O que significa ser um humano?” — o Papa segue o convite de Cristo para meditar sobre os três diferentes “estágios” da experiência humana da sexualidade e do corpo: em nossa origem antes do pecado (cf. Mt 19,3-8); em nossa históriamanchada pelo pecado e já redimida em Cristo (cf. Mt 5,27-28); e em nosso destino, quando Deus erguerá nossos corpos em glória (cf. Mt 22,23-33).
Em resposta à segunda questão — “Como devo viver minha vida?” — João Paulo aplica seu característico “humanismo cristão” para as vocações do celibato e do casamento. Ele então conclui demonstrando como seu estudo propõe uma nova e vitoriosa explicação do ensinamento da Igreja sobre a moral sexual.
Vamos dar uma breve olhada em cada uma das diferentes seções do ensinamento do Papa. É claro que, em uma pequena introdução como esta, estamos apenas arranhando a superfície dos profundos conhecimentos do Papa. Vamos iniciar com sua idéia principal.

Por quê o Corpo é uma “Teologia”?

De acordo com João Paulo II, Deus criou o corpo como um “sinal” de seu divino mistério. Esta é a razão pela qual ele fala do corpo como uma “teologia”, um estudo de Deus.
Nós não podemos ver Deus. Sendo Espírito, Ele é invisível. Entretanto o cristianismo é a religião da auto-revelação de Deus. Em Cristo, “Deus revelou seu mais íntimo segredo: o próprio Deus é uma relação infinita de amor, Pai, Filho e Espírito Santo, e Ele nos destinou a participar desta relação” (C.I.C., §221). Por alguma razão o corpo humano torna este eterno mistério de amor visível para nós.
Como? Especificamente através da beleza da diferença sexual e nossa chamada à união. Deus designou a união dos sexos como a “versão criada” de sua própria “relação infinita de amor”. E justamente desde o início, a união entre homem e mulher prefigura nosso destino eterno de união com Cristo. Como diz São Paulo, a união “em uma só carne” é “um grande mistério, eu quero dizer em referência a Cristo e sua Igreja” (Ef 5,31-32).
A Bíblia usa o amor matrimonial mais do que qualquer outra imagem para nos ajudar a entender o plano infinito de Deus para a humanidade. Deus quer “se casar” conosco (cf. Os 2,19) — para viver conosco em uma “infinita relação de amor”. E ele quis que este grande “plano matrimonial” fosse tão claro e tão óbvio pra nós que ele imprimiu uma imagem de Si mesmo em nosso próprio ser, criando-nos masculino e feminino e convidando-nos à comunhão em “uma só carne”.
Portanto, em um comovente desenvolvimento do pensamento católico, João Paulo conclui que nós espelhamos Deus não somente como indivíduos, “mas também através da comunhão… a qual homem e mulher formam desde o princípio”. E o Papa acrescenta: “de tudo isso, desde ‘o princípio’, descende a graça da fertilidade” (14/11/1979). A vocação original de ser “fecundo e se multiplicar” (Gen 1,28), então, não passa de um convite para viver conforme à imagem daquilo em que fomos feitos — o amor, da forma como Deus ama.
É óbvio que isto não significa que Deus é “sexual”. Nós usamos o amor matrimonial apenas como uma analogia que nos ajuda a compreender um pouco do divino mistério (cf. C.I.C., §370). O “mistério de Deus permanece transcendente em relação a esta analogia como em relação a qualquer outra analogia” (29/09/1982). Ao mesmo tempo, contudo, o Papa diz que “não há nenhuma outra realidade humana que corresponda melhor, humanamente falando, com aquele mistério divino” (30/12/1988).

A Experiência Original do Corpo e do Sexo

Nós tendemos a pensar que a “guerra” entre os sexos é normal. Em sua discussão com os fariseus, Jesus chama atenção para o fato de que “no começo não era assim” (Mt 19,8). Antes do pecado, homem e mulher experimentavam sua união como uma participação no amor infinito de Deus. Este é o modelo pra todos nós, e embora nós o tenhamos perdido, Cristo nos concede a verdadeira capacidade de reconquistá-lo.
A história bíblica da criação usa uma linguagem simbólica para nos auxiliar na compreensão de profundas verdades sobre nós mesmos. Por exemplo, o Papa observa que aquela suaunião original brota da solidão do ser-humano. No princípio o homem estava “só” (cf. Gn 2,18). Dentre os animais, não havia nenhum que “lhe fosse ajuda adequada” (Gn 2,20). Aí está a base desta “solidão” — sentimento comum a homem e mulher — que sentimos nesta ânsia por união.
O ponto é que essa união sexual humana difere radicalmente do acasalamento dos animais. Se fossem iguais, Adão teria encontrado “ajuda” com fartura entre os animais. Mas nomeando os animais ele notou que ele era diferente; somente ele foi uma pessoa chamada a amar à imagem de Deus. Avistando a mulher o homem imediatamente declara: “Agora sim vejo osso dos meus ossos e carne da minha carne” (Gn 2,23). Ele quis dizer, “finalmente, uma pessoa que eu posso amar”.
Como ele sabia que ela também era uma pessoa chamada a amar? Seu corpo nu revelou o mistério! Pela pureza do coração, a nudez revela o que João Paulo II chama de “o sentido nupcial do corpo”. Esta é “a capacidade que o corpo tem de expressar amor: precisamente aquele amor no qual a pessoa se torna dom e — por meio deste dom — realiza o sentido pleno de seu ser e sua existência” (16/01/1980).
Sim, o Papa diz que se vivermos de acordo com a verdade sobre a nossa sexualidade, nós cumprimos o verdadeiro sentido da vida. O que é isso? Jesus o revela quando ele diz, “este é o meu mandamento, que se amem uns aos outros como Eu vos tenho amado” (Jo 15,12). Como Jesus nos ama? “Este é o meu corpo, que é dado por vós” (Lc 22,19). Deus criou o desejo sexual como potência para amar como Ele ama. E esta é a forma como o primeiro casal vivenciou este amor. Por isso, eles “estavam ambos nus, e não se envergonhavam” (Gn 2,25).
Não há vergonha nenhuma no amor; “o amor perfeito lança fora o temor” (1Jo 4,18). Vivendo completamente de acordo com o sentido nupcial de seus corpos, eles viram e sentiram um ao outro “com toda a paz de seu olhar interior, o qual cria a plenitude da intimidade entre as pessoas” (02/01/1980).

A Experiência Histórica do Corpo e do Sexo

O pecado original causou a “morte” do amor divino no coração humano. O surgimento da vergonha indica a origem da concupiscência, do desejo erótico vazio do amor de Deus. Homens e mulheres da história agora tendem a buscar “a sensação da sexualidade” dissociada da verdadeira dádiva de si mesmos, dissociada do autêntico amor.
Nós cobrimos nossos corpos não porque eles sejam maus, mas para proteger seu bem inerente da degradação da concupiscência. Uma vez que sabemos que fomos feitos para o amor, sentimo-nos instintivamente “ameaçados” não somente pelo comportamento abertamente luxurioso, como também por um “olhar luxurioso”.
As palavras de Cristo são severas em relação a isto. Ele insiste que se nós olharmos com luxúria para outros, já teremos cometido adultério em nossos corações (cf. Mt 5,28). João Paulo propõe a questão: “Nós temos temor da severidade dessas palavras? Ou ao contrário, confiamos em seu poder salvífico?” (08/10/1980). Estas palavras tem poder para salvar-nosporque o homem que as revela é “o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo” (Jo 1,29).
Cristo não morreu e surgiu dos mortos simplesmente para nos dar mecanismos contra o pecado. “Jesus veio restaurar a criação à pureza de suas origens” (C.I.C., §2336). Conforme nos abrimos à obra da redenção, a morte e ressurreição de Cristo efetivamente “liberta nossa liberdade da dominação da concupiscência”, como expressa João Paulo (01/03/1984).
Deste lado do céu, sempre somos capazes de perceber uma batalha em nossos corações entre o amor e a concupiscência. Entretanto, João Paulo insiste que “a redenção do corpo” (cf. Rm 8,23) já está trabalhando nos homens e mulheres da história. Isto significa que deixando nossa concupiscência ser “crucificada com Cristo” (cf. Gal 5,24), podemos progressivamente redescobrir o erotismo daquele “sentido nupcial dos nossos corpos” e vivê-lo. Esta “libertação da concupiscência” e a liberdade que ela concede é, de fato, “a condição de toda vida unida à verdade” (08/10/1980).

A Experiência Máxima do Corpo e do Sexo

Mas e quanto à nossa vivência do corpo na ressurreição? Cristo não disse que nós não nos daremos mais em casamento quando ressurgirmos dos mortos (cf. Mt 22,30)? Sim, mas isto não significa que nosso anseio por união acabará. Significa que ele será plenamente satisfeito. Como um sacramento, o casamento é somente um sinal terreno da realidade celeste. Nós não precisaremos mais de sinais para apontar-nos para o céu quando já estivermos lá no céu. As “núpcias do Cordeiro” (Ap 19,7) — a união de amor que nós todos desejamos — estará eternamente consumada.
Para o homem, esta consumação será a realização máxima da unidade do gênero humano, querida por Deus desde a criação. (…) Os que estiverem unidos a Cristo formarão a comunidade dos remidos, a ‘cidade santa’ de Deus, ‘a Esposa do Cordeiro’” (C.I.C., §1045). Esta realidade eterna é o que a união “em uma só carne” representa desde o início (cf. Ef 5,31-32).
Portanto, na ressurreição do corpo redescobrimos — em uma dimensão infinita — o mesmo sentido nupcial do corpo no encontro com o mistério da vivência face a face com Deus (09/12/1981). “Esta será uma experiência completamente nova”, diz o Papa — além do que qualquer um de nós poderia imaginar. Além disso, “não será de nenhum modo estranha àquela experiência da qual o homem toma parte ‘desde o princípio’, e nem ao que diz respeito à dimensão procriativa do corpo e do sexo” (13/01/1982).

As Vocações Cristãs

Observando “quem somos nós” em nossa origemhistória e destino, abrimos as portas para um adequado entendimento das vocações cristãs do celibato e do casamento. Ambas vocações são autênticas “vivências” da mais profunda verdade sobre quem somos nós enquanto homens e mulheres.
Quando vivido de forma autêntica, o celibato cristão não é uma rejeição da sexualidade e seu chamado à união. Ele na verdade aponta para sua máxima realização. Aqueles que sacrificam o casamento “pela causa do Reino” (Mt 19,12) assim o fazem para dedicar todas as suas energias e desejos ao único casamento que é capaz de satisfazer — o casamento entre Cristo e sua Igreja. De certo modo, eles estão “pulando” o sacramento (o sinal terreno) em antecipação da realidade última. Fazendo isso, homens e mulheres celibatários declaram ao mundo que o Reino de Deus está aqui (cf. Mt 12,28).
De uma forma diferente, o casamento também antecipa o céu. “Nas alegrias de seu amor Deus dá o casamento aqui na terra como um antegozo do festim de núpcias do Cordeiro” (C.I.C., §1642). Por quê, então, tantos casais vivem o casamento como se estivessem “vivendo no inferno”? Para que o casamento possa trazer a felicidade, os esposos precisam vivê-lo como Deus queria “desde o princípio”. Isto significa que eles precisam lutar diligentemente com os efeitos do pecado.
O casamento não justifica a luxúria, a concupiscência. Como sacramento, o casamento destina-se a simbolizar a união entre Cristo e a Igreja (cf. Ef 5,31-32). O corpo possui uma “linguagem” que se destina a expressar o amor livretotalfiel, e fecundo de Deus. É exatamente com isso que os esposos se comprometem no altar. “Vocês vieram aqui por livre e espontânea vontade”, o padre pergunta, “para darem-se um ao outro sem reservas? Vocês prometem ser fiéis até a morte? Vocês prometem receber com amor os filhos que Deus vos der?”. Noiva e noivo respondem: “Sim”.
Portanto, os esposos são destinados a expressar este mesmo “sim” com seus corpos uma vez que se tornam uma só carne. “Certamente as próprias palavras ‘Eu te recebo como minha esposa - meu marido’”, diz o Papa, “somente podem ser realizadas por meio da relação conjugal” (05/01/1983). A união sexual é destinada a ser a renovação dos votos matrimoniais.

Um Novo Contexto para Entender a Moralidade Sexual

A ética sexual da Igreja começa a fazer sentido quando vistas através desta ótica. Ela não se trata de uma lista puritana de proibições. É um convite a abraçar nossa própria “grandeza”, nosso própria dignidade divina. É um convite a viver o amor para o qual fomos criados.
Sendo um profeta aquele que proclama o amor de Deus, João Paulo II descreve o corpo e a união sexual como “proféticos”. Mas, ele acrescenta, precisamos ser cuidadosos no distinguir entre verdadeiros e falsos profetas. Se podemos dizer a verdade com nossos corpos, também podemos dizer mentiras. No final das contas, todas as questões sobre moral sexual caem em uma única questão: ela espelha, verdadeiramente, a imagem do amor livre,totalfiel e fecundo de Deus ou não?
Em termos práticos, quão saudável seria um casamento se os esposos fossem freqüentemente infiéis aos seus votos matrimoniais? Por outro lado, quão saudável seria um casamento se os esposos regularmente renovassem seus votos, expressando uma sempre crescente concordância com eles? Esta é a base dos ensinamentos da Igreja em matéria de moralidade sexual.
Masturbação, fornicação, adultério, sexo voluntariamente estéril, atos homossexuais, etc. — nada disso espelha esta imagem do amor livretotalfiel e fecundo de Deus. Nenhum desses comportamentos expressam a renovação dos votos matrimoniais. Eles não são maritais. Isto significa que as pessoas que se comportam assim são “intrinsecamente más”? Não. Eles são apenas pessoas confusas sobre como satisfazer seu genuíno desejo por amor.
Se eu te oferecer um cheque real de um milhão de dólares e um cheque falsificado de um milhão de dólares, qual você iria preferir? Pergunta estúpida, penso eu. Mas e se você fosse educado em uma cultura em que fosse incessantemente bombardeado com propagandas tentando te convencer de que o falsificado fosse o real, e o real fosse o falsificado? Poderia ser que você estivesse um pouco confuso?

A Autêntica Libertação Sexual

Por quê tanta propaganda? Se há um inimigo que deseja nos manter afastados do céu, e se o corpo e o sexo se destinam a apontar-nos para o céu, o que você acha que este inimigo iria atacar? A tática do pecado é “distorcer” e “desorientar” nosso desejo de união eterna. Isso é tudo que ele pode fazer. Quando entendemos isto, percebemos que a confusão sexual tão predominante em nosso mundo e em nossos próprios corações não passam de um desejo humano pelo céu, porém de forma frenética.
Mas a maré está mudando. As pessoas só podem se iludir com os falsificados por um período breve. Eles não somente falham em satisfazer, como nos fadigam terrivelmente. Infelizmente, a verdade dos ensinamentos da Igreja sobre sexo é confirmada nas feridas daqueles que não procuraram vivê-los. Nossas buscas por amor, intimidade e liberdade são positivas. Mas a revolução sexual nos vendeu gato por lebre. Nós não fomos “libertados”. Fomos enganados, traídos e nos tornamos carentes.
É por isso que o mundo é um campo de missão pronto para absorver a teologia do corpo de João Paulo II. E é por isso que ela já está mudando tantas vidas mundo afora. O ensinamento do Papa nos ajuda a distinguir entre o verdadeiro e o falso cheque de um milhão de dólares. Ele nos ajuda a “desentortar” nossos desejos desordenados e nos orienta rumo ao amor que satisfaz verdadeiramente.
Conforme isso acontece, nós entendemos os ensinamentos da Igreja não como um peso imposto “de fora”, mas como uma mensagem de salvação que vem exatamente “de dentro”. Entendemos a verdade que nos liberta. Em outras palavras, experimentamos o que a revolução sexual prometeu mas não pôde cumprir: nos dar a autêntica libertação sexual.



Oração pela Pureza de Coração

Senhor, ajuda-me a aceitar e acolher minha sexualidade como um presente Teu. Concede-me a graça de resistir às muitas mentiras que distorcem o dom divino e ajuda-me a viver minha sexualidade de acordo com o amor que se doa. Concede-me a pureza de coração para que eu possa ver a imagem de sua glória na beleza dos outros, e um dia Te veja face a face. Amém.

Oração pela Redenção do Desejo Sexual

Senhor, eu Te louvo e agradeço pelo dom do meu desejo sexual. Pelo poder de Sua morte e ressurreição, desfaça o emaranhado que o pecado fez em mim de forma que eu possa saber e viver o desejo sexual da forma como o Senhor o criou — como desejo de amar livremente,totalmentefielmente e fecundamente. Amém.

Oração para Momentos de Tentação da Concupiscência

Senhor, agradeço pela beleza desta pessoa que o Senhor criou pra ser amada, e não pra ser tratada como um objeto para minha própria satisfação sexual. Eu renuncio a qualquer tendência, dentro de mim, de usar esta pessoa para meu próprio prazer, e peço que o Senhor corrija meus desejos. Amém.
Tradução e revisão: Fabrício L. Ribeiro

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